12/01/2025 a 31/01/2025
Cruzamos o Passo Tromen, da Argentina ao Chile, nas proximidades do vulcão Lanín. Descemos por uma serra verde, com muitos rios, floresta e curvas e como já era tarde, acampamos em meio àquela natureza bonita.
A Serena, nesta viagem, não estava tendo muita sorte com os animais. Outro dia, na Argentina, havia levado uma mordida de um cachorro. Ali, naquele acampamento, ao se aproximar de um cavalo para acariciá-lo, levou um chega pra lá, uma espécie de peitada do cavalo. Aparentemente ele não queria machucá-la, mas queria pastar em sossego. É uma coisa que, sendo pais, até dá para entender, pois as crianças às vezes são insistentes demais naquilo que querem. Todos nós nos assustamos com aquela reação do cavalo. Ela chorou, mas não se machucou. Foi somente um susto.
Dali para frente, até Pucón, a estrada ficou mais movimentada. Muitos restaurantes estavam de portas abertas para atender os viajantes que chegavam por um congestionamento de carros nessa cidade turística. Pucón, por sua localização privilegiada ao lado de um grande lago chamado Villarrica e um vulcão maravilhoso de mesmo nome, é um dos pontos altos do Chile. E de vulcões, a natureza não economizou nessa região. No dia anterior estivemos ao lado do vulcão Lanín e agora víamos de frente, muito de perto, o Villarrica — e veríamos muitos outros em nosso caminho para o sul. Há duas placas tectônicas que são responsáveis por isso: a Placa de Nazca e a Placa Sul-Americana. A Placa de Nazca, oceânica e mais densa, desliza por debaixo da Placa Sul-Americana, e essa interação causa terremotos e vulcões, posicionando o país no chamado Anel de Fogo do Pacífico.
Em sua viagem à Patagônia de moto, em 1999, Roy escalou o Villarrica e relatou que, da boca do vulcão, pôde ver a lava borbulhando em seu interior. Dessa vez, visto de sua base o vulcão parecia mais calmo e sereno, com fumarolas saindo de seu cume, apesar de ele ter entrado em erupção algumas vezes nos últimos anos. A montanha possui 2.847 metros de altitude e é um cone quase perfeito, principalmente visto do centro da cidade. Possui bastante neve acumulada em suas paredes. Essa neve, que em alguns lugares parecia mais acinzentada — talvez suja pela poeira — fez com que nossas fotos se parecessem com pinturas.
Ficamos alguns dias na região. Dormimos estacionados na praça por uma noite e, nas outras, paramos num estacionamento lá no alto, subindo em direção ao vulcão, de onde tínhamos uma vista para ninguém botar defeito. À noite a neve era iluminada pela luz da lua. Num dos dias fizemos uma caminhada muito bonita na encosta do Villarrica, que nos levou a um derramamento de lava. A caminhada nos levou primeiramente por uma floresta das mesmas árvores que vínhamos vendo tanto na Argentina como no Chile: coigue e lenga. Elas são lindas, fecham muito bem suas copas, deixando a trilha tenebrosa. Aproveitamos para brincar de esconde-esconde, de “Onde Está Wally?” e de contar as lagartixas que encontrávamos pegando sol na trilha (só a Serena viu 56). Crianças necessitam ser entretidas…
Do mirante Fillkungue se tem uma vista do lago Villarrica e de outros lagos mais ao longe, além de outras montanhas e vulcões. Depois chegamos no tal derramamento de lava e aos crateres, formadas por gases que endureceram no formato da bolha. Foi uma delícia brincar por essas rochas de lava. Serena estava impressionada. A volta da trilha aconteceu no leito de um rio de degelo e com pressa para chegarmos em casa antes da chuva.
Para não perder o costume, tiramos um dia para escalar no setor de escalada El Cerdúo e, na cidade de Pucón, acabamos comprando alguns equipamentos de escalada, como sapatilhas e costuras, que no Brasil são muito mais caros. Depois tocamos até a cidade de Villarrica, mas sem deixar para trás a vista do vulcão e do lago, pois tudo lá é tão grande que, mesmo mudando de cidade, os atrativos permanecem.
A viagem seguiu ao sul e outros lagos continuaram a nos presentear com suas belezas. Num deles, o Lago Calafquén, ficamos acampados por alguns dias. A praia era linda, com pedrinhas vulcânicas avermelhadas no lugar da areia. Os locais utilizam sapatilhas emborrachadas para não machucarem seus pés devido às pedras. Aprendemos a utilidade dessas sapatilhas na marra, sentindo cada pedrinha em nossos pés ao entrar e sair da água. Para um lugar tão legal, achamos que havia pouca gente, já que ainda era época de férias de verão e a cidade vizinha estava lotada. Assim como no Brasil, vez ou outra tirávamos nossa churrasqueira portátil para assar uma carne, mas o que fizemos com bastante frequência foi comer milho cozido. Que delícia que era o milho no Chile — muito mais doce que o brasileiro. Aproveitamos a parada para lavar o carro, arrumar coisas quebradas, brincar, estudar com a Serena e esculpir mais colheres.
Frutillar, mais ao sul, é uma cidade germânica situada às margens do segundo maior lago chileno chamado Llanquihue. A cidade, apesar de ser muito turística, tem uma essência natural e histórica. Suas casas são geralmente feitas de madeira e datam de 1900 e contrastam com suas praias movimentadas.
O grande lago Llanquihue foi palco de nossa estada por bastante tempo. Nós o circulamos, conhecendo-o de todos os lados. E detalhe: dependendo de onde se está, tem-se a vista de todos essas montanhas e vulcões: vulcão Pontiagudo (2.493 m), vulcão Osorno (2.652 m), Cerro Tronador (3.492 m) e vulcão Calbuco (2.003 m).
Por uma estradinha ao norte, chegamos a Puerto Octay, que também exibe lindas casas germânicas de madeira. Nesse caminho, a bomba de vácuo do freio do nosso carro pifou. E a gente que pensava que os problemas tinham ficado em 2024! A leste de Puerto Octay, às margens do lago, começaram a aparecer fazendas com casarões de madeira enormes. Pelo jeito o povo alemão foi próspero por ali e hoje ainda possui muito gado leiteiro. O queijo era delicioso e mais barato que em outros lugares do Chile.
Em Las Cascadas voltamos a aproveitar a praia de água doce do lago Llanquihue. Acampamos com os pés praticamente na areia. As meninas foram fazer mandalas com pedras. A Serena também brincou bastante com crianças locais que estavam por ali. Agora, mais desinibida, é ela quem convida as outras, dizendo: “Hola, ¿quieres jugar?”
O vulcão Osorno é a maior atração da região. É um vulcão ativo do tipo estratovulcão e é mundialmente conhecido como um símbolo da paisagem local e por sua semelhança ao Monte Fuji, situado no Japão. Subimos uma serra íngreme, cheia de curvas, entre uma floresta muito densa e linda. Dirigimos até o mirante da cratera La Burbuja, de onde se tem uma vista linda de todos os lados, destacando-se o vulcão Calbuco ao lado esquerdo. Dia lindo e vista sem fim. Depois subimos com um teleférico até uma parte mais alta do vulcão, e de lá pudemos continuar caminhando morro acima, onde já havia neve para brincarmos de escorregar. O dia teria sido ainda mais divertido se a lente principal de nossa câmera não tivesse estragado o seu foco automático. Mais um problema para a nossa lista de coisas a serem consertadas.
O percurso pela Região dos Lagos perdurou mais alguns dias em Puerto Varas e Puerto Montt, com a paciente espera por peças que viriam da capital Santiago para consertar o carro e por nossa lente fotográfica, que teve de ir para lá também, já que não havia ninguém especializado para consertá-la nas imediações. Com tanta espera devido aos problemas técnicos, até conversamos entre nós: que mensagem o universo queria nos dar? Será que era para irmos mais devagar ainda? Só podia ser… Hoje, essa facilidade de logística e entrega mudou muito as viagens. Se isso tivesse acontecido em nossa primeira volta ao mundo, há 15 anos atrás, teríamos que improvisar com os recursos locais e se conseguíssemos trazer peças de outro local, pagaríamos caríssimo.
Pelo menos encontramos um bom lugar para acampar, numa praia de frente para o lago junto com dezenas de outros viajantes. Dali, fizemos um book de fotos do vulcão Osorno, pois a cada hora do dia, éramos presenteados com uma luz, cores e atmosfera diferentes. Lindo, hipnotizante.
A Serena continuou fazendo amigos, agora com a chilena Camila, que ficou em lágrimas quando nos despedimos. Momentos e aprendizados para guardar no coração. Vez ou outra, continuaram trocando mensagens em áudio via WhatsApp. Será que um dia irão se reencontrar? Esse é um porém de estarmos sempre em movimento, conhecemos diversas pessoas, mas sempre chega a hora do adeus. Alguns conseguimos manter contato, mas outros, nunca mais veremos.
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